Bruno Bioni, fundador do instituto Data Privacy Brasil, alerta que a falta de confiança do cidadão no Estado pode gerar uma paralisia. Em contrapartida, consultoria do Senado apontou que artigo da LGPD, ao exigir lei para a troca de informações com empresas, tornariam a administração pública inviável.
A Medida Provisória (MP) 869/2018, que altera a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e cria a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), foi considerada um retrocesso por especialistas que participaram de audiência pública na comissão mista do Congresso Nacional que analisa a matéria. Para eles, a MP compromete os princípios da legislação sancionada no ano passado, a exemplo da obrigatoriedade de o Estado prestar contas sobre o uso de dados de cidadãos em algumas situações e a vedação ao compartilhamento de determinados bancos de dados com o setor privado.
“O cidadão não vai ter mais confiança para trocar dados com o gestor público”, disparou Bruno Bioni, fundador do instituto Data Privacy Brasil. “Precisamos estabelecer regras e práticas informacionais justas porque, caso contrário geramos uma paralisia”. Na visão dele, algumas iniciativas da MP fazem retroceder o debate em relação à proteção de dados pessoais. Ele explicou que, sem um marco legal sólido, princípios fundamentais da relação do cidadão com o Estado ficam comprometidos.
Na visão dele, a LGPD “tende a patinar” se a MP for aprovada com a manutenção do texto original editado pelo Executivo. Como exemplo, citou a digitalização da administração pública, uma meta do atual governo. Esse salto depende de parcerias com o setor privado, que podem não avançar, caso haja insegurança jurídica na formação de bases de dados governamentais.
Outro risco, de acordo Bioni, é um eventual obstáculo ao ingresso do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “Será que, ratificando as alterações propostas pela medida provisória, não estaremos em rota de colisão com a OCDE?”, questionou, defendendo regulação simétrica entre os setores privado e público.
Administração inviável
Mas, segundo a consultoria do Senado, a MP veta o inciso II do parágrafo 1º do artigo 26 da lei em razão do emprego equivocado da conjunção “e”. A redação do dispositivo exigiria que houvesse, cumulativamente, previsão legal e respaldo em contratos, convênios ou instrumentos congêneres para o compartilhamento de dados pessoais entre o poder público e entidades privadas.
Segundo as razões de veto da MP a esse trecho, tal cumulatividade inviabilizaria o funcionamento da Administração. Isso porque diversos procedimentos relativos à transferência de dados pessoais são detalhados em atos normativos infralegais, a exemplo do processamento da folha de pagamento dos servidores públicos em instituições financeiras privadas, da arrecadação de taxas e tributos e do pagamento de benefícios previdenciários e sociais.
Retaliação e informações sensíveis
Para Renata Mielli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, a MP abre espaço para que órgãos de governo tornem públicos os dados de pessoas que façam pedidos via Lei de Acesso à Informação, o que poderia gerar apreensão aos autores das solicitações. “Essa privacidade é fundamental para garantir que a pessoa que procura informações sobre o Estado brasileiro não seja alvo de qualquer tipo de perseguição ou retaliação”, alertou.
Destacou que o controle do Estado sobre dados pessoais dos cidadãos tem apresentado falhas. Disse que já há registros de vazamentos e comercialização de informações sensíveis de cidadãos, a partir de bases de dados do SUS (Sistema Único de Saúde) e das várias modalidades de bilhete único para transporte público.
Comissão
A comissão que analisa a MP 869/2018 é presidida pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO). A medida provisória já recebeu 176 emendas. A audiência pública faz parte de uma série de quatro programadas pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O relatório deve ser apresentado no próximo dia 23. (Com informações da Agência Senado)
Fonte: Tele Síntese