por Pedro Henrique Santos
Na última sexta (12), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) divulgou nota técnica sobre o uso de dados pessoais no setor farmacêutico. O estudo foi bastante esperado, uma vez que a prática de coleta de dados em farmácias é uma prática comum. Após a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, essas práticas começaram a ser questionadas. Mas o que a nota técnica diz?
- Me passa sua biometr…quer dizer, o seu CPF aí?
O setor farmacêutico é conhecido por fazer coleta de dados pessoais para diversas finalidades e vêm sofrendo pressão para se adequar desde a entrada em vigor da LGPD. É muito comum que estes estabelecimentos peçam o cadastro de informações como o CPF para descontos e programas de fidelização, por exemplo.
Talvez o caso que mais chamou a atenção há tempos foi o das redes de farmácias Droga Raia e Drogasil. Na ocasião, os estabelecimentos passaram a exigir a coleta de biometria da digital de seus clientes para a concessão de descontos em seus produtos, parte de seu programa de fidelidade. Após um questionamento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e uma notificação do Procon-SP, as redes de farmácias anunciaram a interrupção do cadastro de biometria em suas lojas em 2021.
- A nota técnica da ANPD
A Nota Técnica nº 4/2022/CGTP/ANPD avaliou as práticas de tratamento de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis por parte do varejo farmacêutico. Destacamos algumas das conclusões do Estudo
- Transparência
Uma das conclusões da Autoridade foi a falta de transparência acerca do tratamento dos dados em diversas atividades, como as políticas de privacidade, programas de fidelização de clientes e de benefícios em medicamentos. Além disso, a falta de transparência também afeta os direitos do titular, como o livre acesso.
- Análise de políticas de privacidade
A análise da ANPD sugeriu aparente falta de adequação e de atualização dos grupos farmacêuticos em relação à LGPD e a regimes de adequação corporativa. Averiguou que alguns sites de grupos farmacêuticos nem mesmo disponibilizam informações sobre suas políticas de privacidade;
Além disso, a ANPD verificou que por vezes algumas redes farmacêuticas que possuem programas de fidelização não entram em detalhes sobre sua metodologia e sob quais condições os dados de titulares são tratados;
Algumas políticas de privacidade listam o perfilamento (profiling) publicitário e a vinculação de histórico de compras a programas de fidelidade como finalidades do tratamento de dados, além disso, algumas políticas de privacidade sequer esclarecem sobre o tratamento de dados pessoais e suas finalidades. Por fim, a autoridade verificou uma falta de transparência acerca do tratamento de dados, o que pode levar ao prejuízo do exercício de direitos dos titulares como o direito de acesso.
- Programa de fidelização
Na análise dos programas de fidelização de clientes, a ANPD manifestou preocupações acerca do compartilhamento de dados pessoais sobre o histórico de compras realizadas em farmácias. De acordo com a autoridade, essas informações podem dar ensejo a inferências acerca de dados pessoais sensíveis.
Além disso, a ANPD reconheceu que pode haver prejuízos ao direito à informação do titular de dados quando a diferenciação de preços decorrente de participação nos programas de fidelização condiciona o acesso ao valor do produto com desconto (art. 6º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor). Isto pois “o valor do desconto só é informado após a comunicação de dados pessoais, como o nº de inscrição no CPF, ou seja, quando já ocorre tratamento de dados pela controladora ou operadora a fim de fornecer o desconto.”, impedindo que o titular consiga consentir de forma verdadeiramente livre e informada, tornando o consentimento inválido.
- Baixa maturidade em termos de adequação
A ANPD concluiu também que há uma baixa maturidade no setor farmacêutico referente à proteção e tratamento de dados pessoais em relação às regras estabelecidas pela LGPD. Verificou-se que em todos os casos havia desconformidades e abordagens com orientações e conceitos equivocados sobre as previsões da lei, o que sugere uma abordagem educativa da autoridade para levar o maior número de estabelecimentos comerciais à conformidade à lei.
- Tratamento de dados biométricos
Com relação ao tratamento de dados biométricos, principalmente para autenticação da identidade de clientes, a ANPD ressaltou que podem ser empregadas outras ferramentas de tratamento de dados menos gravosas em relação à utilização de dados tão sensíveis quanto as biometrias digitais ou até mesmo faciais, ainda mais se a verificação de identidade nesses cadastros for possível por meio de dados pessoais não sensíveis.
- O futuro no setor
Ao final, a nota técnica foi encaminhada para apreciação da Coordenação Geral de Fiscalização e outras medidas que a coordenação achar cabível, principalmente as atividades de monitoramento da autoridade. A ANPD ainda sugeriu uma colaboração com a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) para modular estratégias de regulação no setor.
Com o diagnóstico da ANPD, a adequação do setor pode avançar a uma melhor maturidade, garantindo a defesa dos direitos dos titulares e a proteção de dados pessoais. Além disso, as informações da Nota Técnica podem ensejar procedimentos fiscalizatórios em virtude do alto risco das atividades do setor farmacêutico.