Recentemente, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados foi transformada em Agência Reguladora. A ação, que ocorre na sequência da aprovação do ECA Digital e da designação da ANPD como autoridade competente para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente online, é um sinal de fortalecimento institucional e aprimoramento da fiscalização da autoridade. Mas o que de fato muda com a Agência Nacional de Proteção de Dados?
1. Veto, Órgão, Autoridade e Agência
Antes de se tornar agência, a ANPD foi órgão vinculado à presidência da república e autarquia especial.
Após a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados em agosto de 2018, o presidente Michel Temer vetou os dispositivos que criavam a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, sob o argumento de que não havia previsão orçamentária específica.
Foi só em dezembro daquele ano que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados foi criada por meio da edição da Medida Provisória 869/2018. Inicialmente a ANPD funcionou como órgão da Presidência da República de natureza transitória.
4 anos depois, a Medida Provisória 1124/22 editada em junho de 2022, alterou a LGPD de modo a transformar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados em autarquia de natureza especial. Essa mudança adicionou plena autonomia administrativa e orçamentária para a Autoridade, que antes só tinha autonomia técnica e decisória.
3 anos depois, a autoridade passa por mais uma transformação. Em setembro, o ECA Digital (Lei nº 15.211, de 17 de setembro de 2025) foi aprovado. no mesmo dia, a presidência da república designou a ANPD como autoridade administrativa autônoma de proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais por meio do Decreto Nº 12.622, de 17 de setembro de 2025.
Em seguida, a Medida Provisória (MP) Nº 1.317, de 17 de setembro de 2025, editada no mesmo dia pela presidência da república, trouxe uma mudança significativa: transformou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em Agência Reguladora.
Com essa mudança, a Agência Nacional de Proteção de Dados alça um outro patamar institucional e inicia um novo capítulo na fiscalização em proteção de dados no Brasil. Vamos ver o que de fato muda?
2. O que muda?
Independência reforçada
A transformação da ANPD em agência reguladora consolida uma virada institucional importante. A partir de agora, a proteção de dados pessoais no Brasil deixa de estar sob a tutela direta da Presidência da República e passa a ser exercida por uma autarquia com autonomia própria, o que amplia sua capacidade de atuação. Assim, eliminando as dúvidas sobre a “real capacidade de atuar com isenção, especialmente em casos envolvendo o próprio governo”.
Dessa forma, a ANPD passa a ter as mesmas garantias e deveres previstos na Lei nº 13.848/2019, que regula o funcionamento das agências reguladoras. Isso significa que suas decisões passam a gozar de plena autonomia técnica e decisória, com mandatos fixos e não coincidentes para os diretores, reduzindo a possibilidade de interferências políticas e assegurando maior continuidade às ações regulatórias.
No campo administrativo, a agência consolida sua autonomia orçamentária e gestão própria de pessoal, o que permite maior eficiência na execução de projetos, na contratação de servidores e na definição de prioridades de fiscalização e regulação, além de previsão de carreira própria. Algo limitado antes da transformação, em que a autoridade ainda dependia de servidores que vinham de outras carreiras para compor seu pessoal.
Carreira própria e novos poderes
A MP inclui no art. 1°, inc. XXI da Lei nº 10.871/04 e cria a carreira de Regulação e Fiscalização de Proteção de Dados, composta de cargos de nível superior de Especialista em Regulação de Proteção de Dados.
Além disso, a MP também estabelece que os agentes dessa carreira tem prerrogativas de interditar estabelecimentos, realizar a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar o auxílio de força policial federal ou estadual quando necessário (art. 3° P.U. da Lei nº 10.871/04). Essas prerrogativas são uma adição aos poderes de fiscalização da autoridade já consolidados até hoje e aproximam a ANPD de agências como a Anatel, Anvisa e Aneel, que já possuem estrutura e autoridade para aplicar tais medidas.
Organização administrativa
A MP estabelece que a composição da ANPD irá contar, para além da estrutura atual, com procuradorias, auditorias e unidades especializadas (art. 55-C, V-A, V-B e VI da LGPD). Essa mudança fortalece mecanismos de fiscalização e controle interno da agência. Em especial, as unidades especializadas tendem a aumentar a eficiência do trabalho da autoridade, com trabalhos mais direcionados a assuntos específicos.
Com tais mudanças a Agência se aproxima de modelos consolidados de autoridades independentes, como a Commission nationale de l’informatique et des libertés – CNIL (França), o Information Commissioner’s Office ICO (Reino Unido) e a Agencia Española de Protección de Datos – AEPD (Espanha) dentre outras.
Previsibilidade de ações regulatórias
Por fim, a transição garante maior previsibilidade regulatória. A autonomia orçamentária e técnica tende a permitir que a ANPD publique guias, regulamentos e decisões com maior agilidade, previsibilidade e confiança dos regulados. Caso essa tendência se confirme, o ecossistema de conformidade deve ser bastante privilegiado, com maiores estímulos para que organizações invistam mais em programas de proteção de dados, segurança da informação e avaliação de riscos. E é claro, o fortalecimento de todas as carreiras relacionadas à proteção de dados, sejam elas públicas ou privadas.
3. Próximos Passos
A Medida Provisória ainda precisa ser votada para que seus efeitos continuem vigendo. Contudo, o cronograma legislativo prevê que a Medida Provisória nº 1.317/2025 seja votada até o final de outubro de 2025. Esse conjunto de mudanças reforça a centralidade da Agência Nacional de Proteção de Dados como pilar da política nacional de governança digital, ampliando sua capacidade de atuação e de diálogo com outras autoridades reguladoras.
Mais do que uma mudança de nomenclatura, a transição de Autoridade para Agência representa um passo importante rumo à consolidação da proteção de dados pessoais como política de Estado. Uma ótima notícia para o futuro da regulação de novas tecnologias no Brasil.
Até a próxima!