Aplicativos de Contact Tracing são assunto em todo o mundo nesta semana. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) lança dois novos aplicativos para o combate ao Coronavírus, a Coreia do Sul enfrenta seu primeiro embate por conta dos compartilhamentos de dados pessoais. Em que patamar está a criação do chamado “Passaporte de Imunidade”? Você fica por dentro desta e de outras notícias no quarto informe do projeto “Os Dados e o Vírus”.
Aplicativos de Contact Tracing invadem o mundo e são apostas para o combate ao Coronavírus
O que você precisa saber…
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Seja utilizando tecnologia feita em parceria pela Apple e Google ou não, diversos países pelo mundo, incluindo o Brasil, estão correndo atrás do desenvolvimento de um aplicativo de Contact Tracing ou já os utilizando, acreditando se tratar de uma das maiores armas no combate ao COVID-19.
Assim como explicado no informe passado, o Contact Tracing refere-se à identificação do contato entre uma pessoa infectada por alguma doença transmissível com outras pessoas e consequente isolamento parcial ou total das pessoas que mantiveram esse contato, a fim de diminuir a velocidade de propagação de uma doença infecciosa.
O Reino Unido já começou os testes de um aplicativo feito pelo Serviço Nacional de Saúde britânico, o NHS. A primeira região a receber a tecnologia foi a Ilha de Wight e já começaram os impasses sobre como isso vai influenciar a vida de sua população.
Uma matéria especial da BBC demonstrou que os moradores da ilha possuem grande preocupação quanto à eficiência do aplicativo no combate à doença, mas não tiveram grandes questionamentos em relação à utilização de dados pessoais neste processo. “O problema para mim não é a privacidade – pra quê ela serve se estivermos falidos ou mortos? É uma questão de efetividade e competência’’, disse uma enfermeira que preferiu permanecer anônima.
No dia 13 de maio, reportagem publicada pelo site Wired revelou que arquivos secretos da NHS foram deixados inadvertidamente sem segurança no Google Drive, de modo que foram expostos detalhes do planejamento para as versões seguintes do aplicativo, como coleta de dados como código postal, informações demográficas (como idade, etnia, gênero, renda) e status de localização conjunta dos usuários. Os documentos enfatizam que seria realizado o tratamento de dados “auto-reportados”, como os encontrados em redes sociais.
Israel, por sua vez, segue em forte discussão sobre a segurança da tecnologia aplicada e também sua utilização. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu trava uma batalha com a Suprema Corte para permitir que os serviços de inteligência utilizem os dados que possuem para rastrear infectados.
O mesmo acontece na Índia, onde segue a disputa entre o governo e a Internet Freedom Foundation (IFF), que contestou juridicamente o uso obrigatório do App de rastreamento chamado Aarogya Setu.
A discussão promete ser cada vez mais acalorada em relação à utilização de cada aplicativo e como os resultados e informações vão interferir diretamente do dia-a-dia de cada população e país.
Para a Islândia, por exemplo, o resultado não tem sido satisfatório. Segundo o MIT Technology Review, o país é um dos cases de sucesso de implementação do App, dados de investigação e também detecção de transmissão entre pessoas. Porém, o seu uso não trouxe o resultado esperado, por necessitar ainda de intervenção humana para inclusão de dados e contato por telefone com eventuais infectados.
O podcast Dadocracia, do Data Privacy Brasil, tratou do tema contact tracing no seu episódio #8.
OMS anuncia lançamento de dois Aplicativos no combate ao Coronavírus
O que você precisa saber…
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No dia 13 de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciou o lançamento de dois aplicativos para auxiliar no combate ao Coronavírus. O primeiro se chama WHO Academy App, feito para auxiliar profissionais da saúde pelo mundo e o segundo, WHO Info App, direcionado para o público em geral.
O WHO Academy conta com vasto material de pesquisa, treinamentos e workshops virtuais. “A OMS está colocando poder de informação e aprendizado diretamente nas mãos dos profissionais da saúde de todos os cantos do mundo”, disse Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da organização.
O App foi desenvolvido a partir de um estudo, realizado em março deste ano, com 20 mil profissionais da saúde de todo o mundo. A pesquisa revelou que dois terços dos entrevistados sentem que precisam estar mais preparados sobre diversos tópicos envolvendo a pandemia, como controle de infecções, gerenciamento de casos, uso de equipamentos de proteção individual, comunicação de riscos, entre outros.
A OMS pretende alcançar diversos países com a nova plataforma e desenvolveu o App em árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol.
Além do WHO Academy app, também foi lançado o WHO Info App, com foco na população de todos os países do mundo. Nele, atualmente, o usuário poderá encontrar informações em tempo real sobre as últimas notícias e novidades sobre vacinas e tratamentos.
Em entrevista para a Reuters, Bernardo Mariano, Chefe de Comunicação da OMS, afirmou que o aplicativo ainda terá como foco auxiliar países com menos recursos, informando e coletando dados para entender melhor regiões de alta letalidade do COVID-19.
Mariano também disse que o aplicativo ainda será adaptado para cada região, com informações direcionadas, e que o Contact Tracing tem sido utilizado por diversos países e, por isso, também deve fazer parte da plataforma.
Recentemente, o InternetLab – centro independente de pesquisa interdisciplinar, que promove o debate acadêmico nas áreas de direito e tecnologia – fez um estudo sobre Aplicativos do Governo direcionados ao Coronavírus e seus riscos à privacidade: confira.
Privacidade em risco: Infectados com coronavírus são ligados a estabelecimentos LGBTQ+ na Coreia do Sul
O que você precisa saber…
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Enquanto o mundo procura pela melhor forma e tecnologia para combater a pandemia, a Coreia do Sul enfrenta o primeiro alerta de vazamento de dados pessoais de pacientes com Coronavírus. No dia 11 de maio, diversos veículos de comunicação ligaram onda de infectados a bares LGBTQ+ de Seul.
Símbolo de eficiência no combate à pandemia, a Coreia do Sul tem menos de 11 mil casos confirmados e apenas 256 mortes. A região conta com rastreamento e monitoramento de infectados, bem como controle de temperatura corporal, uso de máscaras e testes maciços na população. Desta forma, o país não entrou em lockdown.
Porém, no último domingo foi veiculada a ocorrência de uma segunda onda de infecções, sendo 35 casos confirmados. Em seguida, em apenas 48 horas, o número subiu para 86, sendo 78 homens e, destes, 72 entre 20 e 30 anos.
O surto foi vinculado a diversas boates de Itaewon, distrito da capital. Apesar de não se descreverem como estabelecimentos LGBTQ+, foram rapidamente apontados como “clubes gays” nas redes sociais e em algumas publicações locais.
Em entrevista concedida no dia 11 de maio, Yoon Tae-ho, membro do Ministério da Saúde, alertou a população sobre vazamento de dados pessoais dos infectados. “Espalhar informações pessoais de pacientes ou espalhar boatos infundados não apenas prejudica o próximo, mas também configura crime”, acrescentou sobre a possibilidade de críticas ou culto ao ódio contra certo grupo com infectados.
Diversos relatórios publicados pelas mídias sul coreanas especificaram a idade, região da infecção, profissão e local de trabalho dos pacientes diagnosticados com Coronavírus. O apontado como responsável pela transmissão seria um homem de 29 anos, que teria visitado cinco estabelecimentos diferentes na mesma noite.
Defensores da causa logo entraram em cena. O Grupo de Advocacia Solidarity for LGBT Human Rights da Coreia do Sul disse, em comunicado oficial, que revelar orientação sexual do paciente aumenta ainda mais o estigma da doença e também a homofobia.
Além da Coreia do Sul, a capital da Índia, Nova Délhi, também sofreu com vazamento de dados. Uma lista com 10 nomes, telefones e endereços pararam nas redes sociais. Os nomes seriam de pessoas ligadas ao Tablighi Jamaat – movimento missionário islâmico – e, junto dos dados pessoais, constavam resultados de testes para COVID-19, sendo parte deles positivo.
O acontecimento evidencia a fragilidade de algumas ferramentas de rastreamento em relação aos dados pessoais sensíveis (e.g. inferência sobre orientação sexual), bem como serve de alerta para atos discriminatórios.
Passaporte da Imunidade: entenda mais sobre sua criação e funcionalidades
O que você precisa saber…
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Governos em todo o mundo discutem a criação de um “passaporte imunológico”, documento que pode ser entregue à população que já foi infectada com o COVID-19 e agora, teoricamente, está imune à doença.
O assunto é bastante polêmico e, entre os pontos de alerta estão o fato de que ainda não é possível afirmar que pessoas contaminadas pelo SARS-COV-2 realmente desenvolvem defesa prolongada em relação à doença.
Em texto publicado no The Conversation, o infectologista da Universidade Nacional Australiana, Sanjaya Senanayake, afirmou que diversas infecções nunca se repetem, como o sarampo e a varíola, porém, outras infecções como gripe e tétano atuam de outra forma.
“A maioria dos estudos mostra que as pessoas que se recuperaram da infecção têm anticorpos para o vírus. No entanto, algumas dessas pessoas têm níveis muito baixos de anticorpos neutralizantes no sangue, sugerindo que a imunidade celular também pode ser crítica para a recuperação”, afirmaram porta-vozes da Organização Mundial da Saúde (OMS), em comunicado.
Outro aspecto bastante sensível é o fator social. Pesquisadores acreditam que os “passaportes” podem levar pessoas a se infectar propositalmente apenas para ter a liberdade de sair de casa.
Em estudo publicado pelo The Lancet, a especialista em saúde pública Alexandra Phelan disse que o documento poderia causar problemas inclusive no mercado de trabalho, onde empresas dariam preferências aos imunes e não aos que estariam passíveis de se infectar. Ou seja, o passaporte apenas aumentaria os danos já sofridos pela população atualmente.
“Em países sem acesso universal a cuidados de saúde, os mais incentivados a procurar a infecção também podem ser aqueles que são incapazes ou hesitam em procurar atendimento médico devido ao custo e ao acesso discriminatório”, ponderou Alexandra.
Entre os países que estavam prestes a iniciar o sistema de documentação estava o Chile, que recuou no dia 11 de maio, cedendo às advertências de que os cartões de imunidade poderiam incentivar mais infecções e gerar discriminação entre a população.
Apesar dos pontos controversos, países como Estados Unidos, Alemanha, Itália, Reino Unido e Brasil não descartam a criação do documento.
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EQUIPE
Projeto “Os dados e o vírus”. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa. Coordenação: Rafael Zanatta & Bruno Bioni. Equipe de pesquisa: Mariana Rielli, Gabriela Vergili, Iasmine Favaro e Carolina Pain. Apoio: AccessNow.
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