por Pedro Henrique Santos
Na última semana, a justiça federal determinou que o Whatsapp interrompa o compartilhamento de dados não-criptografados de seus usuários com outras empresas do grupo Meta. A decisão é referente a uma ação civil pública que questiona a legalidade da mudança das políticas de privacidade feitas pela empresa em 2021. Fique por dentro com o que há de mais relevante no caso!
- Atualização e fiscalização
Em 16 de julho de 2024, o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) e o MPF (Ministério Público Federal), entraram com ação que visa uma indenização contra o WhatsApp pela forma como realizou a mudança em sua política de privacidade em 2021. Tal mudança visava o compartilhamento de dados pessoais do whatsapp com o grupo Meta. Para os autores da ação, a alteração das políticas infringe a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A ação civil pública 5018090-42.2024.4.03.6100 tramita na 2ª Vara Cível Federal de São Paulo e foi julgada, liminarmente, pelo juiz federal Luis Gustavo Neves.
- Eixos de argumentação
Direito à informação
De acordo com o MPF e o Idec, o WhatsApp violou o direito à informação de seus usuários pela forma como comunicaram a mudança e o modo disperso como a nova política foi organizada para consulta dos interessados. Na ocasião, a comunicação foi feita por meio de notificação dentro do aplicativo com um botão “concordar” em destaque.
A mensagem fazia referência às atualizações das políticas, mas não era esclarecedora sobre quais dados seriam compartilhados e quais bases legais do tratamento. Caso o usuário quisesse saber mais sobre as alterações, tais informações estavam dispersas em diversos hiperlinks ao longo do texto.
Em resposta, o WhatsApp alegou que a atualização de 2021 não promoveu ampliação das capacidades de tratamento e compartilhamento de dados de usuários entre o WhatsApp e a Meta uma vez que tal compartilhamento já estava previsto nas políticas desde 2016. A Atualização de 2021 buscou aumentar a transparência sobre as práticas de uso de dados, o funcionamento do whatsapp e as categorias de informações que podem ser compartilhadas com a Meta.
A notificação enviada aos usuários foi projetada para informar sobre os temas que teriam sua transparência aprimorada na atualização da política de privacidade do WhatsApp, antes da sua efetiva implementação. Dessa forma, o dever de informação foi cumprido.
Além disso, a notificação não impediu o uso dos serviços e demais ferramentas do WhatsApp, uma vez que os usuários poderiam optar por consultá-la em momento posterior ao clicar no botão “Agora não”. Detalhes completos sobre o tratamento de dados pessoais realizado pelo WhatsApp poderiam ser obtidos facilmente com apenas um clique no link que dava acesso à política de privacidade do WhatsApp atualizada.
De acordo com a empresa, a política de privacidade de 2021 do WhatsApp fornece informações completas, claras e adequadas, conforme as exigências da LGPD. A Política de privacidade divulga as principais informações em tópicos visíveis e em linguagem simples. A inclusão de links externos e páginas informativas na política de privacidade serviu para aprofundar o entendimento dos usuários sobre como seus dados são tratados. Tais opções são um reforço da transparência na medida em que se oferece um caminho facilitado ao usuário para entender termos específicos.
Bases Legais
Os autores da ação também alegam que as bases legais levantadas para o compartilhamento de dados não são adequadas. No caso da execução de contrato, o compartilhamento não é necessário ao objeto do contrato de serviço de mensageria.
No caso do legítimo interesse, a ausência de informação aos titulares, o compartilhamento de dados sensíveis, falta de necessidade do compartilhamento e sua desproporção entre os interesses do controlador e as legítimas expectativas dos titulares tornam a base legal inválida no caso.
O consentimento também não poderia ser válido pois as circunstâncias pelas quais ele foi colhido não continham informações adequadas e veio acompanhada da informação de que o uso da plataforma dependia do aceite das novas políticas, violando os requisitos de um consentimento livre e informado necessários a partir da LGPD. O Idec admite que tal disposição foi alterada posteriormente, contudo, muitos usuários já haviam aceitado as novas políticas, razão pela qual o argumento ainda subsiste.
De acordo com o WhatsApp, quando a atividade de compartilhamento de dados se destina a permitir a prestação de um serviço seguro e eficiente ao usuário, a empresa pode adotar a base legal de execução de contrato.
Quanto às demais atividades que não estão relacionadas à efetiva prestação de serviços ao usuário, e sim vinculadas à melhoria dos serviços e produtos do WhatsApp e/ou para melhor compreensão sobre a interação do usuário com a empresa, o WhatsApp pode aplicar a base legal do legítimo interesse, considerando que a empresa tem interesse em melhorar seus serviços e compreender como estes são utilizados, desde que isso não represente riscos desproporcionais às liberdades e direitos dos usuários.
Além disso, segundo a empresa, o WhatsApp não trata dados pessoais para revelar ou inferir dados pessoais sensíveis sobre seus usuários. por conta da criptografia de ponta-a-ponta o WhatsApp limita a sua capacidade de inferir dados sensíveis
Além disso, o WhatsApp informou que não se vale do consentimento para o compartilhamento dos dados. Dessa forma, não há o que se falar em “consentimento viciado”, tampouco em “tratamento irregular de dados”.
Por último, a alegação de que os usuários que não aceitassem a atualização de 2021 poderiam ter suas contas apagadas ou seriam impossibilitados de usar o aplicativo do WhatsApp é incorreta, na alegação da empresa. Isto pois o Whatsapp esclareceu que ninguém teria suas contas apagadas ou perderia a funcionalidade do WhatsApp em função das atualizações de 2021 após engajamento com a 3ª CCR da PGR, a ANPD, o CADE e a Senacon sobre o tema.
Interface com Direito do consumidor
MPF e Idec também alegam que o WhatsApp incorre em uma prática abusiva tipificada no art. 39, IV e V; e 51, IV do CDC. Isto pois, ao não informar efetivamente sobre as mudanças, a empresa se valeu da ignorância do consumidor para impor o seu serviço. Ao condicionar o uso do app ao aceite das novas políticas, o consumidor é colocado em uma posição de desvantagem exagerada. Por último, o compartilhamento amplo de dados pessoais dá vantagem excessiva ao Whatsapp.
Por outro lado, o WhatsApp expressa que os argumentos levantados pelo Idec e MPF sobre a violação ao CDC são derivadas das violações à LGPD. Como não haveria violação da LGPD pelo WhatsApp, também não há violação ao CDC. Além disso, alegam que a Senacon reconheceu a licitude da conduta da plataforma em relação à atualização de 2021.
- Decisão cautelar
A Justiça Federal concedeu uma decisão liminar e determinou que o aplicativo não poderá mais compartilhar os dados não-criptografados dos usuários para outras finalidades além de disponibilizar de forma objetiva, simples e de fácil acesso uma opção de opt-out para a pessoa decidir se quer ou não que seus dados sejam compartilhados com as empresas do grupo Meta.
A decisão cautelar analisou apenas a questão do compartilhamento de dados com o Facebook/Meta e entendeu que:
- A partir da análise entre as convergências da LGPD com a GDPR, o juízo entendeu ser possível limitar o compartilhamento de dados coletados dos usuários brasileiros nos moldes da legislação europeia.
- Os usuários brasileiros foram praticamente coagidos a aceitar a política de privacidade, seja pela data limite que restringiria o uso do serviço, pela constante exibição da notificação bloqueando o aplicativo e pela falta de compreensão ou pela dificuldade de acesso às informações da política de 2021. Dessa forma, o Whatstapp incorreu na prática abusiva do artigo 39, IV, do CDC.
- Ressaltou que a LGPD prevê que o titular tem direito a se opor a um determinado tratamento, razão pela qual determinou que o Whatsapp fornecesse uma opção de opt-out para o compartilhamento de dados com o grupo Meta.
A decisão marca o início de uma grande disputa onde os entendimentos acerca de elementos centrais da proteção de dados serão postos à prova. Ficaremos de olho no caso.
Até a próxima!